terça-feira, 9 de dezembro de 2014

BALADA SIDERAL

              Escrita e desenhada com primor pelo amigo Rafael Senra, Balada Sideral é uma boa aposta para quem curte histórias em quadrinhos alternativas. O cenário futurístico e situado no espaço sideral é inspirado no filme Blade Runner e na série de HQs Love and Rockets (que aliás são quadrinhos dos anos 80 com um conceito que já fez meu olho crescer...vou dar uma olhada e quem sabe o próximo post), nos conta Rafael, mas a caracterização dos personagens, o estilo do desenho e o trio de amigos que se aventuram e influenciam a vida uns dos outros me remeteu à premiada Strangers in Paradise, de Terry Moore.
               O choque entre duas culturas é um aspecto que iremos notar em Balada Sideral, com o encontro entre o jornalista Markum, habitante da Multigaláxia e os irmãos Molten na Rustigaláxia. Em uma reunião virtual em que se comunica com os colegas de trabalho a partir de sua própria casa, Markum recebe a misteriosa missão de entrevistar os músicos conhecidos como Irmãos Molten. Enquanto a vida hipocondríaca de Markum se desenrola mediocremente na Multigaláxia, na Rustigaláxia as pessoas vivem de forma mais livre, saudável, e em contato direto com a natureza e essa busca pelo contato com os Irmãos e a mudança de cenário e perspectiva de vida irá mudar a vida dos três protagonistas da história. O que aliás eu poderia até conectar com a filosofia deleuziana: o hipocondríaco como um daqueles arquétipos humanos que busca o Corpo sem Òrgãos. Estaria Markum nessa busca inconsciente por um campo de intensidades, ou mais: estaria ele se anestesiando de uma vida interior verdadeira, ao tentar controlar seu organismo, se superproteger, controlar todas suas reações fisiológicas a partir da ingestão de substâncias e os Irmãos Molten, que habitavam cenários menos urbanos e controlados, vivendo de sua habilidade musical e vontades, estariam vivendo em pleno Corpo sem Òrgãos? Já em um campo de intensidades percebidos através dos exercícios de ritmo,  voz, composições e seu contato com pessoas verdadeiras e com a natureza?  A travessia e transformação de Markum, ao abandonar velhos hábitos e se entregar a um novo modo de viver seria um abandono de uma vida de representação para entrar na diferença em si, com a descoberta do que difere singularmente para si e assim experimentar o mergulho em um plano de imanência. Esse choque de culturas e transformação pessoal me lembrou também a velha fórmula da Marion Bradley em Darkover, um planeta onde terráqueos e darkovanos têm confrontos culturais, mas onde um protagonista se descobre sua potencialidade. Voltando para mais perto da Terra a gente poderia pensar Balada Sideral é uma transposição espacial do conflito terráqueo vivido pelos habitantes dos grandes centros, com vidas controladas, vantagens culturais e econômicas, mas riscos à saúde, stress e aqueles das cidades pequenas e pacatas, interioranas, que oferecem qualidade de vida, como ar puro, tranquilidade (mas que não deixa de ter problemas.). Vemos Markuns e Irmãos Molten o tempo todo por aí e nos resta escolher em qual universo iremos habitar.
            Ler a Balada foi me empolgando pela riqueza de detalhes, pela sensibilidade, evolução da história e dos personagens, o traço leve e suficiente! Deu gosto de quero mais e uma sensação que já estive naqueles cenários em sonhos... Aliás tudo tem um aspecto onírico nesse gibi, os carros flutuando no espaço cósmico, as casas e castelos que aparecem e desaparecem conforme comandos dados, as novas roupas e o jeito flutuante e meditativo com que entraram na Grande Pira. Vale a pena conferir a história, quadrinhos genuinamente brasileiros, com uma qualidade universal!
              Quem quiser conhecer, pode comprar a revista nesse endereço:
http://www.bartlebeedeli.com.br/pd-156b53-balada-sideral.html Ou na livraria Saraiva ou com o próprio Rafael. E aproveitem, pois as grandes editoras não costumam publicar um material bacana assim.












http://rafaelsenra.com/balada-sideral/